O evento foi ampliado este ano para abranger toda a Amazônia Legal e, dessa forma, se contrapor aos grandes festivais de cinema que ignoram grande parte das obras da região. Foram exibidos 50 filmes durante quatro dias de programação no Teatro Amazonas, em Manaus (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real).
Manaus (AM) – Para fortalecer a ideia de um festival que valoriza a identidade amazônica, filmes do Mato Grosso e do Maranhão, estados que fazem parte da Amazônia Legal, pela primeira vez competiram na mostra principal do Festival de Cinema da Amazônia – Olhar do Norte, agora intitulada Mostra Amazônia. O evento foi realizado na semana passada, com encerramento na última sexta-feira (25).
Para o diretor artístico do festival, Diego Bauer, é essencial manter o foco em filmes da região como principais referências, uma maneira de enfrentar a estrutura dos grandes festivais brasileiros, que ignoram a expressiva produção de obras amazônicas em suas seleções e exibições.
“Um festival grande seleciona, por exemplo, 30 filmes e desses apenas um ou dois são do Norte. Então, a gente sempre quis fazer um festival que fosse o contrário, um festival voltado para a região amazônica e que esteja interessado nos filmes da região como elemento principal”, disse Bauer.
Com essa afirmativa, o Olhar do Norte colocou em prática a ampliação do evento para abarcar a participação de produções de toda a Amazônia Legal. Foram 50 filmes exibidos durante quatro dias no Teatro Amazonas, centro de Manaus. O público assistiu a obras do Acre, Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, nas Mostras Olhar Panorâmico, Amazônia e Olhinho (não-competitiva). Também foram exibidos filmes de estados do nordeste e sudeste, na Mostra Outros Nortes.
“A gente alcançou um nível de produção que a gente não tinha e conseguimos encher o Teatro Amazonas nesses quatro dias, contando com o apoio de realizadores da nossa região. Essa é uma edição de transição”, afirmou o produtor executivo do festival, César Nogueira.
Narrativas em destaque
Dos 21 prêmios distribuídos na cerimônia de encerramento, 13 foram para a Mostra Amazônia, principal mostra competitiva, composta por curtas-metragens da Amazônia Legal. Além da cerimônia de premiação, o encerramento contou com a exibição do filme convidado “Eureka”, do diretor argentino Lisandro Alonso.
Entre os filmes premiados na outra mostra competitiva, Olhar Panorâmico, destacaram-se as produções amazonenses “La Creación”, de diretora Valentina Ricardo, que ganhou Melhor Filme, e “Prazer, Ana”, de Sarah Margarido, que recebeu os prêmios de Melhor Filme por Voto Popular e uma Menção Honrosa. Também recebeu Menção Honrosa na mostra o filme “Yuri u xëatima thë – A Pesca com Timbó”, de Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomam.
Em entrevista à Amazônia Real, a diretora Valentina Ricardo, que participou do júri na Mostra Amazônia, destacou a abrangência de representatividade de produções da região. “É muito interessante estar neste espaço, que é o Teatro Amazonas, tendo a oportunidade de ver filmes do Norte, filmes que falam sobre a Amazônia e com pautas comuns a todos os realizadores”, afirmou.
Para a diretora, o festival afirma o cinema produzido na Amazônia como cinema nacional e não só regional. “A gente também é Brasil, a gente também pode falar por uma nação. Aproximar esses diálogos acaba engrandecendo a nossa própria identidade, porque falamos coisas parecidas. A Mostra Outros Nortes, por exemplo, tem filmes que poderiam estar na Mostra Amazônia não por uma questão territorial, mas porque os assuntos são similares de alguma maneira”.
A diretora Adriana de Faria, do Pará, trouxe ao festival o filme “Cabana”, premiado com Menção Honrosa na Mostra Amazônia. O curta, de 14 minutos, conta a história de duas mulheres que têm os seus destinos cruzados durante a cabanagem, uma das maiores revoltas populares do Brasil Império, entre 1845 e 1850, na província do Grão- Pará, região que hoje abriga Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Pará.
“O filme trata do encontro dessas duas mulheres e eu quis contar essa história, porque a gente não tem um filme sobre a cabanagem. Eu sempre refleti sobre isso, por que a gente não tem? Mas ao mesmo tempo eu me perguntei: por que eu tenho que contar essa história?”, indagou Adriana.
A partir dessa curiosidade, a cineasta pesquisou mais sobre a participação das mulheres da Amazônia no movimento e encontrou informações consideradas impressionantes. “Elas eram espiãs e produtoras de farinha. Ninguém desconfiava delas, então tinham o poder de se infiltrar. No filme eu tento trazer um pouco disso, uma representação de uma mulher negra, ex-escravizada, que se junta ao movimento. É uma história muito amazônica”, disse.
“Alexandrina – Um Relâmpago”, produção do Amazonas, também foi destaque ao ganhar os prêmios de Melhor Direção, para Keila Sankofa, e Direção de Arte, para Francisco Ricardo. O filme resgata a memória de Alexandrina, primeira mulher negra naturalista da Amazônia. Em seu discurso na premiação, Keiua Sankofa relembrou que o Teatro Amazonas, palco para a exibição do filme, representa uma história cheia de violência para a comunidade negra, mas a arte tem o poder de refazer as memórias. Esta personagem histórica tornou-se conhecida do público quando a historiadora Patricia Melo publicou um artigo sobre ela, na Amazônia Real, em dezembro de 2015, como parte de uma série chamada “Crônica de gente pouco importante” (leia o artigo de Patricia).
“Esse lugar foi construído por pessoas que se parecem comigo e com pessoas da minha equipe. Então, com a nossa produção e nossa arte, a gente tem o poder de mudar a história”, afirmou.
“Controle”, também do Amazonas e com direção de Ricardo Manjaro, foi outra produção que obteve dois prêmios: Melhor Atuação, para Rafael Cesar, e Direção de Fotografia, para Reginaldo Tyson.
Rondônia leva prêmio máximo
Pela primeira vez, Rondônia levou o prêmio máximo do Olhar do Norte. “Ela Mora Logo Ali” ganhou Melhor Filme do Júri Oficial da Mostra Amazônia. A produção ainda conquistou as categorias de Melhor Atriz para Agrael de Jesus, Melhor Filme do Júri Popular e Roteiro para Fabiano Barros e Rafael Rogante.
A obra conta a história de uma vendedora ambulante da Amazônia, uma mulher negra e pobre que tem sua vida mudada ao conhecer uma jovem leitora em um ônibus. O filme foi produzido, dirigido e encenado em Porto Velho, capital de Rondônia, e contou com a participação de equipe local.
Em entrevista concedida à Amazônia Real, a atriz Agrael de Jesus, 65 anos, contou que as maiores dificuldades foram o curto período de tempo e a falta de investimento, público e privado. As gravações duraram cinco dias. “Teve dia que iniciamos as gravações às 7 da manhã e íamos até às 2, 3 horas da manhã do dia seguinte”, contou.
Ganhar o prêmio de Melhor Atuação no Olhar do Norte representa o reconhecimento de um trabalho feito com “muito carinho, dedicação, pesquisa e estudo, dando voz a mulheres mães esquecidas”, afirmou Agrael.
Agrael de Jesus Pereira, nascida em Jequié, na Bahia, mora em Rondônia desde 1975. Mulher preta e pobre, foi funcionária pública e, ao se aposentar, resolveu realizar seu grande sonho e se enveredou pelo mundo das artes. “Primeiro, fiz um curso de formação de atores a nível médio e em seguida me licenciei em teatro pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR)”, contou.
Como integrante do grupo de teatro “O Imaginário”, a atriz rodou o Brasil pelo Festival Palco Giratório com a peça ” As mulheres do Aluá”. No cinema participou do filme “Rodantes” e hoje é protagonista de “Ela Mora Logo Ali”. O filme ganhou três kikitos no 51° Festival de Gramado, sendo um de Melhor Atriz para Agrael.
Representar a história do filme, enquanto mulher preta, pobre, mãe e moradora do Norte, diz Agrael, foi “uma experiência ímpar de dar visibilidade para as mães atípicas esquecidas”. “A mãe, no geral, é quem suporta a barra, assume as adversidades com amor, carinho e sorriso nos lábios, foi um presente maravilhoso”.
Para a atriz, o que está faltando para o cinema de Rondônia é reconhecimento. “Os artistas de Rondônia nada tem a dever para os artistas do eixo Rio de Janeiro/São Paulo. Aqui temos profissionais competentíssimos. O que está faltando é o reconhecimento das autoridades para que possamos ter visibilidade”, concluiu.
Confira os vencedores da 5° edição:
Mostra Amazônia
Melhor filme (voto popular): “Ela mora logo ali”
Melhor som: Héverton Batista e Pablo Araújo (mixagem de som e trilha sonora), por “Revoada”
Melhor direção de arte: Francisco Ricardo, por “Alexandrina – um relâmpago”
Melhor direção de fotografia: Reginaldo Tyson, por “Controle”
Melhor montagem: Lorena Ortiz, por “Maués, a garça”
Melhor atuação 1: Agrael de Jesus, por “Ela mora logo ali”
Melhor atuação 2: Rafael César, por “Controle”
Melhor roteiro: Fabiano Barros e Rafael Rogante, por “Ela mora logo ali”
Melhor direção: Keila Sankofa, por “Alexandrina – um relâmpago”
Menção honrosa 1: “Uma mulher pensando”
Menção honrosa 2: “Cabana”
Prêmio especial do júri: “Cem Pillum”
Melhor filme: “Ela mora logo ali”
Mostra Outros Nortes
Melhor filme (voto popular): “Big Bang”
Menção honrosa: “Soberane”
Menção honrosa: “Solos”
Melhor filme: “Big Bang”
Mostra Olhar Panorâmico
Melhor filme (voto popular): “Prazer, Ana”
Menção honrosa: “Yuri u xëatima thë – A Pesca com timbó”
Menção honrosa: “Prazer, Ana”
Melhor filme: “La Creación”
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